Como a guerra reverbera em quem está longe dos campos de batalha, mas não ileso.
Mesmo sem estar em uma zona de guerra, seu coração e sua alma podem estar se dilacerando por dentro.
Você acorda, liga a TV ou abre o celular e se depara com cenas de destruição, medo e desamparo. Pode não ser (embora muitas vezes seja) o seu país ou a sua família, mas o aperto vem de qualquer forma.
E o corpo sente, antes mesmo de entender o motivo, por meio de um aperto no peito, de uma insônia aparentemente sem motivo, de uma tristeza sem nome.
O que acontece dentro da gente quando o mundo está desabando lá fora?
Quando a dor do outro nos atravessa
Durante a pandemia, mesmo tendo o privilégio (e a benção) de não ter sofrido perdas pessoais — lar seguro, saúde preservada, ninguém próximo em risco — comecei a ter pesadelos frequentes. Sonhos densos, estranhos, que traziam uma angústia difícil de explicar.
Era como se o mundo estivesse tentando se enfiar nos meus sonhos, me contando, à sua maneira, que a dor não precisava bater à minha porta para me atravessar. Foi nesse período que entendi: aquilo que parecia um desconforto particular, na verdade, era a reverberação de um sofrimento coletivo.
O que diz a ciência
Esse fenômeno tem nome: trauma vicário. Acontece quando somos impactados pelo sofrimento do outro, mesmo que não o vivenciemos diretamente. No caso das guerras, por exemplo, não é preciso estar no território em conflito para sentir a dor.
O impacto da guerra à distância
A guerra entre Rússia e Ucrânia, a escalada no Oriente Médio, os conflitos no Sudão… Mesmo que tudo isso aconteça a milhares de quilômetros, as imagens chegam direto aos nossos olhos, e nossos corpos reagem. Não é preciso estar na linha de frente para sermos atravessados pela dor que ela carrega. Imagens, notícias e depoimentos são suficientes para nosso corpo reagir como se estivesse sob ameaça real.
O corpo sente antes da mente entender
Esse tipo de vivência também é estudado pela fenomenologia-existencial. Segundo essa abordagem, o corpo é mais do que físico: é o lugar onde sentimos o mundo antes mesmo de entendê-lo. A dor do outro, mesmo distante, nos atravessa por dentro — em forma de aperto no peito, insônia, irritação, exaustão. Sentimos primeiro, interpretamos depois.
Como cuidar de si em tempos extremos
É fundamental nomear esse incômodo. Ele não é exagero, nem drama. É sensibilidade diante de tempos extremos.
Se você sente que o mundo está tenso demais, aqui vão algumas sugestões práticas:
- Limite a exposição a imagens e notícias de guerra, especialmente antes de dormir;
- Respire fundo ao perceber a sobrecarga emocional e volte para o corpo com pequenos rituais: uma pausa consciente, uma respiração profunda, um momento de silêncio;
- Converse com alguém sobre o que está sentindo;
- E, se puder, canalize o cuidado: doar seu tempo compartilhando suas habilidades ou se engajar em projetos que façam sentido para você pode aliviar a sensação de impotência.
Cuidar de si é também é uma forma de sustentar o mundo sem se perder. Um jeito de seguir sentindo, sem adoecer.
Este texto encerra a série Exaustão Invisível. Mas o cuidado com a sua mente — e com o mundo que você carrega dentro — não termina aqui.
💬 Um convite gentil
Respira. Sente. Segue! Com consciência, com pausa e com a ternura de quem sabe que ainda está sentindo.
Fontes consultadas
MUSSA, Sara. When we see others in distress. The Guardian, 2024.
MCCANN, Irene Lisa; PEARLMAN, Laurie Anne. Vicarious traumatization: A framework for understanding the psychological effects of working with victims. Journal of Traumatic Stress, v. 3, n. 1, p. 131-149, 1990.
BOLETIM FENOMENOLOGIA & SOCIEDADE. Vivência Encarnada do Sofrimento, ed. 2024.
AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION. Trauma Indirecto e Exposição Prolongada. APA, 2023.
Este conteúdo faz parte da série Exaustão Invisível e foi criado de forma original, com base em pesquisa séria, escuta clínica e fontes devidamente referenciadas.
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